Os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 nos EUA tiveram largo impacto mundial em praticamente todas as áreas do conhecimento humano. Nas artes não foi diferente e muitos artistas de diversas mídias fizeram trabalhos inspirados pelo acontecimento.
Com a indústria de quadrinhos não foi diferente. As histórias em quadrinhos são consideradas por muitos a nona arte e compõem uma indústria bilionária, com personagens que já se tornaram ícones culturais mundiais. Os quadrinhos suportam a construção de mundos inteiros e vêm ganhando cada vez mais respeito como forma de arte nos últimos anos.
Sendo uma mídia que usa a fantasia para retratar problemas reais, os quadrinhos foram diretamente afetados pela tragédia do 11 de setembro. Logo após os ataques, várias edições com histórias diversas sobre os atentados foram publicadas, principalmente nos EUA, que possui um dos maiores mercados mundiais de quadrinhos.
Em novembro de 2001, a Marvel Comics lançou Heroes, um livro de arte de 64 páginas com capa de Alex Ross e ilustrações e roteiros por vários artistas de quadrinhos renomados, que mudava o foco das imagens dos super heróis para os heróis do mundo real, os bombeiros e policiais responsáveis pelas buscas nos escombros do World Trade Center. Heroes teve sua renda destinada ao fundo de vítimas dos atentados e tiragem esgotada.
Em dezembro do mesmo ano foi a vez de mostrar as reações dos super heróis e vilões da Marvel no momento exato do atentado, na edição número 36 d’O Incrível Homem-Aranha, de J. Michael Strackzinsky e John Romita Jr. Essa edição vendeu mais de 200 mil cópias e transformou em clássica a imagem do Homem-Aranha, o super herói de Nova York, parado em frente às ruínas do WTC.
Ainda pela Marvel, em janeiro do ano seguinte saí Moment of silence, especial com quatro histórias sem texto produzidas por Bill Jemas, Joe Quesada, Kevin Smith, Brian Bendis, Mark Bagley, Scott Morse, Igor Kordey e John Romita Jr., com uma introdução escrita pelo prefeito de Nova York, Rudolph Giuliani. Nos meses seguintes a editora dá início à publicação de The call of duty, três mini-séries sobre bombeiros, paramédicos e policiais dentro do contexto do 11 de setembro, porém situadas dentro do Universo Marvel.
A Alternative Comics lançou no mesmo mês o álbum 9-11: Emergency Relief, com participação de 80 artistas, entre eles Will Eisner e Harvey Pekar. As editoras Chaos! Comics, Dark Horse Comics, Image Comics e DC Comics lançam também dois volumes luxuosos chamados 9-11: Artist respond, também com a presença de vários artistas conhecidos e independentes.
In the Shadows of No Towers, ou À Sombra das Torres Ausentes, como foi lançada no Brasil, é uma graphic novel de Art Spiegelman, único autor a ganhar um Pulitzer com uma história em quadrinhos, onde o autor faz duras críticas ao governo Bush ao mesmo tempo em que narra sua experiência traumática no dia do ataque às torres gêmeas. Apesar de ter sido escrita imediatamente após os eventos de 11 de setembro de 2001, o álbum só foi publicado no aniversário de três anos dos ataques.
Mas a HQ mais fiel sobre o assunto é provavelmente The 9/11 Report: A Graphic Adaptation, escrita por Sid Jacobson, desenhada por Ernie Cólon e lançada nos EUA em 2006. O livro é uma adaptação do relatório oficial do governo americano sobre o 11 de setembro e mostra eventos antes e depois dos atentados, incluindo as informações que as agências de inteligência americanas já haviam coletado sobre os suspeitos.
Outros países também deram sua contribuição. Le 11e jour, de Sandrine Revel, publicado na França em 2002, é um relato pessoal da experiência da autora, que presenciou os atentados em Nova York onde passava férias com um casal de amigos. Revel tenta passar o sentimento de insegurança e incompreensão que sentiu naquele dia, como uma estrangeira num país onde mal entendia a língua local. No Brasil, o escritor e roteirista Reginaldo Carlota e o desenhista Micael Holderbaum criam a HQ Cão Maravilha, em que o super-herói canino, inconformado com o fato de não ter evitado os atentados de 11 de setembro, torna-se violento a ponto de espancar e matar seus inimigos.
Além dos lançamentos de quadrinhos tratando diretamente do 11 de setembro, muitas HQs já existentes passaram por uma mudança interna, substituindo os comuns vilões, temas e tramas mirabolantes por assuntos mais “realistas” como terrorismo, preconceito e fanatismo religioso que, apesar de já existirem no mundo dos quadrinhos, passaram a ter maior importância, além de serem discutidos mais abertamente.
Heróis como Capitão América e Nick Fury, este último dentro da saga Guerra Secreta, tiveram suas fases de combate ao terrorismo. A Justiça Jovem, grupo de super heróis pré-adolescentes da DC, teve uma história com a temática do ódio irracional. O mutante Cable criticou o imperialismo norte-americano numa história passada no Rio de Janeiro. O roteirista Greg Rucka falou sobre a mentalidade dos talibãs em sua série de espionagem Queen & Country. Ao Super Homem coube falar sobre fanatismo religioso. Os X-men, não se desviando do tema preconceito que é a base de sua história, introduziram uma discussão sobre os talibãs, inclusive dando as boas-vindas à uma personagem islâmica.
Tudo isso confirmou a tendência anunciada por um dos grandes mestres dos quadrinhos, Grant Morrison, anunciando que o impacto do 11 de setembro no segmento aproximaria mais os super heróis da realidade. Tal declaração causou polêmica entre os fãs e a mídia, uma vez que o caráter escapista das HQs é defendido por muitos.
O fato é que hoje a popularização dos quadrinhos, principalmente dos selos adultos, e das graphic novels (chamadas no Brasil de banda desenhada ou romance gráfico), fez crescer a popularização de temas igualmente “adultos”, que tratam da realidade com mais crueza, além do chamado jornalismo em quadrinhos, onde as matéria são feitas inteiramente em banda desenhada nos chamados livros-reportagem, que apesar do nome, continua sendo a boa e velha HQ.
Independente do tipo de história, de super heróis ou não, as histórias em quadrinhos foram feitas não só para divertir, mas também para falar sobre a realidade e seus problemas e, principalmente, sobre sua superação.
Dica: apesar de não abordar o tema 11 de setembro, uma graphic novel altamente recomendada é V de vingança, do escritor britânico Alan Moore, que trata de temas como totalitarismo, censura, terrorismo e anarquia. Mesmo sendo uma publicação da década de 80, a história é extremamente atual e tanto o enredo quanto as ilustrações são fantásticas. Foi republicada no Brasil pela Panini Comics em 2006 e não é difícil encontrar (inclusive para download na internet).
Por Kíssila Machado
Com a indústria de quadrinhos não foi diferente. As histórias em quadrinhos são consideradas por muitos a nona arte e compõem uma indústria bilionária, com personagens que já se tornaram ícones culturais mundiais. Os quadrinhos suportam a construção de mundos inteiros e vêm ganhando cada vez mais respeito como forma de arte nos últimos anos.
Sendo uma mídia que usa a fantasia para retratar problemas reais, os quadrinhos foram diretamente afetados pela tragédia do 11 de setembro. Logo após os ataques, várias edições com histórias diversas sobre os atentados foram publicadas, principalmente nos EUA, que possui um dos maiores mercados mundiais de quadrinhos.
Foto: Divulgação
Capa de Heroes, desenhada por Alex Ross
Em novembro de 2001, a Marvel Comics lançou Heroes, um livro de arte de 64 páginas com capa de Alex Ross e ilustrações e roteiros por vários artistas de quadrinhos renomados, que mudava o foco das imagens dos super heróis para os heróis do mundo real, os bombeiros e policiais responsáveis pelas buscas nos escombros do World Trade Center. Heroes teve sua renda destinada ao fundo de vítimas dos atentados e tiragem esgotada.
Em dezembro do mesmo ano foi a vez de mostrar as reações dos super heróis e vilões da Marvel no momento exato do atentado, na edição número 36 d’O Incrível Homem-Aranha, de J. Michael Strackzinsky e John Romita Jr. Essa edição vendeu mais de 200 mil cópias e transformou em clássica a imagem do Homem-Aranha, o super herói de Nova York, parado em frente às ruínas do WTC.
Foto: Divulgação
O Homem-Aranha lamenta sobre os escombros do World Trade Center
Ainda pela Marvel, em janeiro do ano seguinte saí Moment of silence, especial com quatro histórias sem texto produzidas por Bill Jemas, Joe Quesada, Kevin Smith, Brian Bendis, Mark Bagley, Scott Morse, Igor Kordey e John Romita Jr., com uma introdução escrita pelo prefeito de Nova York, Rudolph Giuliani. Nos meses seguintes a editora dá início à publicação de The call of duty, três mini-séries sobre bombeiros, paramédicos e policiais dentro do contexto do 11 de setembro, porém situadas dentro do Universo Marvel.
Foto: Divulgação
Capa de "A Moment Of Silence"
A Alternative Comics lançou no mesmo mês o álbum 9-11: Emergency Relief, com participação de 80 artistas, entre eles Will Eisner e Harvey Pekar. As editoras Chaos! Comics, Dark Horse Comics, Image Comics e DC Comics lançam também dois volumes luxuosos chamados 9-11: Artist respond, também com a presença de vários artistas conhecidos e independentes.
Foto: Divulgação
Capa de 9-11: Emergency Relief
In the Shadows of No Towers, ou À Sombra das Torres Ausentes, como foi lançada no Brasil, é uma graphic novel de Art Spiegelman, único autor a ganhar um Pulitzer com uma história em quadrinhos, onde o autor faz duras críticas ao governo Bush ao mesmo tempo em que narra sua experiência traumática no dia do ataque às torres gêmeas. Apesar de ter sido escrita imediatamente após os eventos de 11 de setembro de 2001, o álbum só foi publicado no aniversário de três anos dos ataques.
Mas a HQ mais fiel sobre o assunto é provavelmente The 9/11 Report: A Graphic Adaptation, escrita por Sid Jacobson, desenhada por Ernie Cólon e lançada nos EUA em 2006. O livro é uma adaptação do relatório oficial do governo americano sobre o 11 de setembro e mostra eventos antes e depois dos atentados, incluindo as informações que as agências de inteligência americanas já haviam coletado sobre os suspeitos.
Foto: Divulgação
Página de The 9/11 Report: A Graphic Adaptation
Outros países também deram sua contribuição. Le 11e jour, de Sandrine Revel, publicado na França em 2002, é um relato pessoal da experiência da autora, que presenciou os atentados em Nova York onde passava férias com um casal de amigos. Revel tenta passar o sentimento de insegurança e incompreensão que sentiu naquele dia, como uma estrangeira num país onde mal entendia a língua local. No Brasil, o escritor e roteirista Reginaldo Carlota e o desenhista Micael Holderbaum criam a HQ Cão Maravilha, em que o super-herói canino, inconformado com o fato de não ter evitado os atentados de 11 de setembro, torna-se violento a ponto de espancar e matar seus inimigos.
Além dos lançamentos de quadrinhos tratando diretamente do 11 de setembro, muitas HQs já existentes passaram por uma mudança interna, substituindo os comuns vilões, temas e tramas mirabolantes por assuntos mais “realistas” como terrorismo, preconceito e fanatismo religioso que, apesar de já existirem no mundo dos quadrinhos, passaram a ter maior importância, além de serem discutidos mais abertamente.
Heróis como Capitão América e Nick Fury, este último dentro da saga Guerra Secreta, tiveram suas fases de combate ao terrorismo. A Justiça Jovem, grupo de super heróis pré-adolescentes da DC, teve uma história com a temática do ódio irracional. O mutante Cable criticou o imperialismo norte-americano numa história passada no Rio de Janeiro. O roteirista Greg Rucka falou sobre a mentalidade dos talibãs em sua série de espionagem Queen & Country. Ao Super Homem coube falar sobre fanatismo religioso. Os X-men, não se desviando do tema preconceito que é a base de sua história, introduziram uma discussão sobre os talibãs, inclusive dando as boas-vindas à uma personagem islâmica.
Tudo isso confirmou a tendência anunciada por um dos grandes mestres dos quadrinhos, Grant Morrison, anunciando que o impacto do 11 de setembro no segmento aproximaria mais os super heróis da realidade. Tal declaração causou polêmica entre os fãs e a mídia, uma vez que o caráter escapista das HQs é defendido por muitos.
O fato é que hoje a popularização dos quadrinhos, principalmente dos selos adultos, e das graphic novels (chamadas no Brasil de banda desenhada ou romance gráfico), fez crescer a popularização de temas igualmente “adultos”, que tratam da realidade com mais crueza, além do chamado jornalismo em quadrinhos, onde as matéria são feitas inteiramente em banda desenhada nos chamados livros-reportagem, que apesar do nome, continua sendo a boa e velha HQ.
Independente do tipo de história, de super heróis ou não, as histórias em quadrinhos foram feitas não só para divertir, mas também para falar sobre a realidade e seus problemas e, principalmente, sobre sua superação.
Dica: apesar de não abordar o tema 11 de setembro, uma graphic novel altamente recomendada é V de vingança, do escritor britânico Alan Moore, que trata de temas como totalitarismo, censura, terrorismo e anarquia. Mesmo sendo uma publicação da década de 80, a história é extremamente atual e tanto o enredo quanto as ilustrações são fantásticas. Foi republicada no Brasil pela Panini Comics em 2006 e não é difícil encontrar (inclusive para download na internet).
Por Kíssila Machado
Graphic novels tendem a se distanciar dessa característica "escapista" que você fala, justamente por ter um público mais adulto e com gostos diferentes. Acho que o 11 de Setembro teve, apesar da tragédia, uma influência positiva nos quadrinhos, pois conseguiu mudar os temas abordados. Grant Morrison sabe do que fala.
ResponderExcluirV de vingança é uma ótima sugestão...e do mesmo autor, recomendo também Watchmen,quadrinho e também o filme, são muito bons.
Bom texto, parabéns!